Ontem a noite, o espaço cultural Fêmea Fábrica promoveu uma sessão de modelo vivo aberta no centro de Campinas, com mediação da artista e arte-educadora Giselle Freitas. Quem posou foi a Carolina Gasquez, artista do corpo, educadora e pesquisadora da dança. Por coincidência, ela foi a primeira pessoa que desenhei numa sessão ao vivo, em setembro de 2019. Antes disso, eu já tinha praticado com versões online – provavelmente com o QuickPoses . Mas é uma experiência bem diferente, claro, alguém caminhar nua numa sala cheia de gente e ser retratada simultaneamente por todos eles.
Desenho gestual
Sessões de modelo vivo são oferecidas normalmente para artistas/estudantes praticarem Desenho Gestual. O desenho gestual é uma prática de estudo da figura humana em movimento. Existem técnicas bem tradicionais de como fazer esses estudos, mas em sessões abertas como essas que eu participei, cada um é livre pra seguir com seu estilo e mídias favoritas. De 2019 pra cá, já testei alguns materiais clássicos – como pastel seco e carvão – mas sigo preferindo lápis de cor multicoloridos, como esses da Koh-i-noor:
O lápis mais largo é um Lápis Jumbo Koh-I-Noor “Magic Multicolor” da cor Fire, que eu tenho sei lá, desde 2015, pelo menos. O mais fininho é da mesma marca, mas as cores da mina são do tipo “original”. Queria um Tropical pra fazer urban sketches, mas nunca mais encontrei avulso pra comprar.
Aliás, escrevendo este post, descobri que a Faber tem uma linha de pontas multicoloridas também, chama “Misturinha”.
Como funciona?
As sessões duram cerca de 2h, mas o evento em si costuma se estender um pouco após os desenhos propriamente ditos. Costumamos cumprimentar o(a) modelo(a) antes dele(a) se despir. Normalmente o espaço é organizado com os artistas em círculo ou semi círculo ao redor de uma área central, bem iluminada. Esta área costuma contar com uma cadeira, sofá ou outra superfície para poses horizontais. As luzes ficam baixas ou apagadas, e o foco luminoso fica onde o(a) modelo está.
As sessões costumam ser muito respeitosas e silenciosas. Apenas uma trilha sonora (escolhida pela pessoa que posa, normalmente) e o barulho do timer costumam interromper o fluxo de desenhos.
A pessoa que posa costuma escolher uma posição, e se mantém nela por tempos pré-determinados. A pessoa que está mediando a sessão controla o tempo com um temporizador e avisa aos demais quanto tempo irá durar cada pose.
É comum começar com algumas poses de aquecimento, com 1 ou 2 minutos de duração.
Na sessão de ontem, elas já começaram com duas poses de 5 minutos, e uma de 10 minutos:
Eu costumo correr a silhueta da pose com o lápis jumbo, de forma rápida e com traços leves, tentando delinear as proporções e orientação geral. Depois volto com um lápis colorido (de cor única, como o vermelho abaixo) e passo a reforçar os contornos, em traços mais pesados, firmando as decisões anteriores ou adicionando pequenos detalhes. Também marco os volumes maiores dos músculos com hachuras. Pego outra cor para marcar o cabelo (fiquei fazendo testes pra ver se gostava mais dos cabelos marcados de cor única ou com o lápis multicolorido fino – que faz tons de verdes e azuis). Rabisco a superfície de contato que ancora a modelo no espaço (nos dois primeiros, este zigue-zague ao redor dos pés).
Depois, uso um lápis mais escuro pra reforçar as sombras. Nesta sessão, eu foquei em testar fazer as sombras fortes que deixassem mais claro que a Carol estava apoiada em grandes almofadas.
Quanto mais tempo de pose, mais eu tento me comprometer com detalhes anatômicos. E costumo deixar o rosto por último, porque o foco é mais no gestual e na expressão do resto do corpo. Neste aqui, eu inclusive fiquei bem frustrada com o rosto, porque não ficou nada parecida com ela. Note que nos próximos dois, eu fiquei um pouco obcecada com isso.
Eu estava ficando incomodada por não estar conseguindo acertar o nariz nem o corte de cabelo super repicado da Carol.
Nesta pose, eu tentei sombrear com um pouco mais de minúcia algumas partes do corpo, ao invés de só colocar hachuras soltas. E tentei mostrar que a superfície (colchão) se moldava ao peso da modelo sentada. No fim, acabei esquecendo das mãos, que foram adicionadas sem muito cuidado. E como o rosto ficou muito escuro, acabei fincando a ponta de um lápis mais escuro pra tentar só acentuar o perfil do olho. Ficou menos parecido ainda com a Carol..
Continuei tentando detalhar o rosto. Nesta folha, abandonei o azul cobalto saturado, e peguei um cinza-azulado mais tendendo ao indigo.
Serei perseguida pra sempre por essas hachuras mal feitas que coloquei no seio da frente, que não seguem o caminho da luz. Mas quando a gente vê a figura como um todo, não chama taaanta atenção assim.
Enfim. Lembra que comentei que depois dos desenhos, a sessão se estende um pouco?
É a hora da mini exibição de artes produzidas:
Sempre nesta hora eu me lembro que preciso levar folhas soltas pras sessões de modelo vivo, e não o sketchbook… e de não fazer os desenhos em frente e verso nas páginas, porque senão não tem como exibir no final.. O que certamente vou esquecer, na próxima.
Assim como nos encontros de Urban Sketching, é super divertido ver o conjunto e reparar nas soluções tão diferentes que as pessoas pensaram pra mesma situação que você.
Figuary
Houveram rumores ontem de que a Fêmea Fábrica talvez passe a ter sessões mensais de modelo vivo em 2025. E que a próxima será na segunda semana de fevereiro. Seja como for, em fevereiro, no universo dos artistas cronicamente online, acontece o evento chamado Figuary – trocadilho com February – um mês pra se desafiar desenhando a figura humana. Sempre indico ver o conteúdo do Croquis Cafe para guias de estudo e pose – antigamente, a maior parte do material era gratuito, os mais recentes são pagos, e provavelmente vale muito a pena. Quem sabe tento fazer alguns estudos no próximo mês?
Ah, aqui tem uma coletânea de sessões ao vivo que já participei (repare que a primeira, com folhas de espada-de-são-jorge, são desenhos da mesma modelo desta postagem!)